quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Os meninos de 59

Tabacarias são lugares especiais por conta das pessoas que a freqüentam. Normalmente, gente diferente, que fala, que pensa e que sabe ser feliz. Agenor é uma destas figuras que vêm à memória quando lembro a tabacaria do centro. Aos 92 anos bem vividos, cirurgião aposentado, é apaixonado pela dona Luiza, sua esposa mais jovem – talvez uns 90 anos também bem vividos.

Na tabacaria, Agenor era minha companhia preferida. Conversávamos de tudo, mas principalmente sobre o futuro. O futuro que esperava por ele e por mim. Dois jovens que, com a idade somada e dividida, chegavam aos 59 anos. Idade perfeita para pensar no que a vida ainda tem a oferecer. Na ultima conversa, juntamos 4 pessoas para lembrar Gonzaguinha. Com aquela voz cansada, Agenor sabia como cantar “Você Merece”, uma referência ao passado que já não valia tanto. Havia realmente passado.

Era sempre o ultimo a ir embora. Talvez fosse o primeiro a chegar, também. Quando saia antes de mim, era porque a “menina dos seus olhos” (como chamava Luiza) o chamava. Tinha orgulho em, depois de 60 anos de casado, ela dizer ao telefone que ele precisava voltar para casa para matar as saudades dela.

Vez em quando a realidade pode ser mais bonita que realmente é, por isso, digo a todos que Agenor largou o tabaco. Parou de fumar e de fazer planos para o futuro. Luiza agora terá que se entender com a saudade e suas lembranças, não podendo pedir arrego, que Agenor volte para casa. Agenor, desta vez, resolveu mudar o rumo da história: não quis ser o ultimo a ir embora.

OBS. Este foi o post mais difícil, o que mais provocou sensações contraditórias. Agenor faz e continuará fazendo grande falta. Não só pela sua alegria, sabedoria e delicadeza com as pessoas e as palavras, mas pelo exemplo de pessoa feliz, que não encana com problemas pequenos. Sinto falta de Agenor e dor por Luiza. Tenho certeza que, aos fechar seus olhos, a “menina dos seus olhos” se apagou junto a eles.

3 comentários:

Páprica com Mel disse...

Gostaria de ter conhecido Agenor. Acho que consigo até ver seu sorriso apenas pela descrição.

Unknown disse...

Realmente este texto promove sensações contraditórias. Me emocionei muito, espero que todos nós tenhamos um pouco do espírito jovem do Agenor e possamos reconhecer a nossa "menina (o) dos olhos" (se me permitem o trocadilho). Mas por outro lado esse texto me trouxe muita alegria. Alegria em ver que nosso querido escritor venceu a barreira do distanciamento, se envolveu com a história e soube transmiti-la de maneira delicada e sensível !!

Simplesmente ADOREI !!

.luanac disse...

Juro. Não sou sentimental.
Juro que tentei não ser atingida pelo emocionalismo dessas palavras. Juro, juro, até acho que consegui...mas, droga, meus olhos sempre costumam ser mais fracos e desleais. Sempre me entregam.

Dessa vez chorei. Chorei não de tristeza, mas das mesmas emoções controversas que sentiste. Chorei de lembranças de um tio meu, que não durou 90 anos, não tinha uma menina dos olhos, nem foi cirurgião, mas tinha a mesma delicia de viver. Parabéns novamente.